A possibilidade de revisão e cassação de reforma pela administração castrense passou a preocupar muitos militares após a publicação do DECRETO Nº 10.750, DE 19 DE JULHO DE 2021.
Os militares reformados não ficaram de fora das alterações que vêm ocorrendo no âmbito das Forças Armadas desde 2019. Nesse caso, reformados deparam-se com a possibilidade de ter seus benefícios suspensos ou cassados.
Você, militar reformado por incapacidade definitiva para o serviço ativo. Você, militar inativo que foi reformado por invalidez, sendo de carreira ou temporário. Saiba em que casos pode ser submetido a revisão ou cassação de sua reforma!
- O que podemos entender por reforma do Militar das Forças Armadas?
- Revisão e cassação: quais as diferenças?
- Mas afinal quais são as consequências advindas dessas revisões?
- Quais as hipóteses para revisão da incapacidade definitiva de militar das Forças Armadas?
- Reforma de militar concedida judicialmente pode ser revisada pela administração castrense?
- Sou militar reformado e quero recusar ou não atender a convocação para revisão do benefício: quais as consequências?
- Vai se submeter à inspeção de saúde para revisão de reforma militar: saiba o que é necessário?
- O que pode ocorrer se constatado que havia vício na concessão da reforma?
1. O que podemos entender por reforma do militar das Forças Armadas?
Rigorosos treinamentos, missões de paz, missões para manutenção da lei e da ordem (GLO), são todas atividades de riscos e que podem causar incapacidades e invalidez ao militar das Forças Armadas.
Por exemplo, como é de conhecimento militar e de grande parte da sociedade civil que acompanhou nos telejornais, muitos foram os riscos nas missões para manutenção da lei e da ordem na cidade do Rio de Janeiro. Trocas de tiros de grande calibre, esforços repetitivos, dentre outros, podem gerar acidentes em serviços.
Frente a esses riscos, o Estatuto dos Militares (lei 6.880) prevê, em seu art. 3, o instituto da reforma. A reforma ocorre quando o militar é dispensado, definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continua a perceber remuneração da União.
Ao ser reformado, essa continuação no recebimento do benefício/remuneração pela União representa ao militar uma meio para manutenção digna de seu sustento e de sua família.
Ademais, o instituto da reforma apresenta-se como uma forma de reconhecimento, ressarcimento e proteção ao militar que dedicou à Força toda sua capacidade e validade.
Estar sujeito a impactos físicos ou mentais e à autoestima, segundo as definições da OMS, confere aos militares a proteção especial da reforma seja por incapacidade ou invalidez. Diferentemente de trabalhadores civis (BIÉ JUNIOR, 2019).
Muito embora esse benefício não seja absoluto.
Veja os casos em que pode ter sua reforma cassada!
2. Revisão e cassação: quais as diferenças?
Em primeiro lugar é importante diferenciar os dois institutos que foram alterados pelo Decreto 10.750 em 2021. Revisão e cassação regulam ocorrências distintas que não devem ser lidas como sinônimos.
A revisão pode ser entendida como os atos da administração militar para avaliar se as condições que ensejaram a reforma persistem e se foram deferidas devidamente. Podem ser revisados: o ato inicial de concessão ou as condições em que foi concedida a reforma por incapacidade definitiva ou invalidez.
A reforma dos militares de carreira e dos militares temporários por invalidez pode ser revista e reclassificada como uma incapacidade definitiva. Essa revisão ocorre quando a incapacidade total para o desempenho de qualquer atividade laboral não subsiste mais.
A revisão da invalidez para incapacidade definitiva traz, como primeiro efeito, a impossibilidade de exercer apenas as atividades militares.
Como segundo efeito da revisão, tem-se uma diferenciação para militares de carreira e os temporários. Apenas os militares de carreira continuarão reformados, mas como incapacidade definitiva nas hipóteses do art. 108 e art. 109 da Lei nº 6.880, de 1980.
Assim, a revisão realizada pela administração militar pode ser observada como um possível gênero que pode resultar em várias espécies/efeitos, dentre esses a anulação e a cassação.
Quando a revisão realizada pela administração constatar que houve erro ou irregularidade no ato inicial de concessão da reforma, o benefício será anulado. Já quando a revisão constatar que não mais subsistem as condições de saúde que ensejaram a reforma, essa será cassada.
3. Mas afinal quais são as consequências advindas dessas revisões?
Pois bem, os próximos parágrafos te esclarecem esse ponto tão relevante. Vamos lá!
Nos casos de anulação ou cassação da reforma, o militar temporário será reincorporado caso não subsistam as hipóteses de: I – invalidez; ou II – incapacidade definitiva contraída em campanha ou GLO (incisos I e II do caput do art. 108 da Lei 6880, de 1980).
Para os militares de carreira a anulação ou cassação pode gerar duas consequências. Se houver sido reformado a menos de dois anos, o militar de carreira retorna a ativa. Todavia, se tiver ultrapassado esse período, irá para reserva remunerada.
Muitas minúcias, não é mesmo? Mas agora você já sabe diferenciar cada situação e pode se aprofundar nas alterações da lei.
Vamos em frente.
4. Quais as hipóteses para revisão da incapacidade definitiva ou da invalidez de Militar das Forças Armadas?
Um dos pontos que mais causa dúvida e, até mesmo, transtornos para o militar reformado é a falácia de que não poderia mais trabalhar.
Todavia, a reforma quando oriunda de uma incapacidade definitiva, que perdura no tempo, refere-se a impossibilidade de saúde para exercer atividades militares.
O militar reformado por uma incapacidade definitiva não o impede de exercer atividade laboral que seja compatível com as limitações de saúde que ensejaram sua reforma.
A impossibilidade de trabalhar ocorre para os militares reformados por invalidez, visto que, nesse caso, não são válidos para exercer nenhuma atividade laboral (nem civil, nem militar).
Caso ainda possua dúvidas acerca das diferenças entre incapacidade definitiva e invalidez, temos um texto específico que trata da matéria. Não deixe de se aprofundar em seus direitos.
Esclarecidas as possibilidades e restrições acima, partimos para as hipóteses que podem despertar na administração militar a necessidade de realizar a revisão da reforma anteriormente concedida.
Com base no DECRETO Nº 10.750, DE 19 DE JULHO DE 2021, o art. 4 traz que a inspeção de que trata o caput será realizada por junta superior de saúde, quando: I – houver indícios de que ele desempenhe atividades incompatíveis com as condições de saúde que ensejaram a sua reforma; ou II – por processo de amostragem.
Como pode ser observado, o inciso I traz que a revisão ocorrerá para militares reformados por alguma incapacidade ou invalidez, mas que curiosamente estão desempenhando uma atividade laboral totalmente incompatível com sua suposta limitação. Por exemplo, ter cardiopatia grave e trabalhar como atleta profissional.
Por fim, no inciso II, no processo de amostragem, a administração militar escolhe algumas pessoas de determinada instituição militar/batalhão para que seja realizada a revisão do benefício.
Você pode conhecer mais sobre a incapacidade e a invalidez no nosso texto:
5. Reforma de militar concedida judicialmente pode ser revisada pela administração castrense?
O DECRETO Nº 10.750, DE 19 DE JULHO DE 2021 dispõe expressamente que tanto reformas que foram concedidas pela própria administração quanto as que foram concedidas pelo judiciário poderão ser alvo de revisão.
Vide os artigos trazidos pelo decreto:
Art. 4º O militar, de carreira ou temporário, reformado por incapacidade definitiva para o serviço das Forças Armadas ou por invalidez poderá ser convocado, a qualquer tempo, para avaliação das condições que ensejaram a reforma concedida judicial ou administrativamente, sob pena de suspensão do benefício.
§ 2º Os militares, de carreira ou temporários, reformados judicial ou administrativamente, poderão ser convocados pela administração militar.
O artigo acima e seu respectivo parágrafo trazidos com a nova legislação são alvo de muitas críticas no mundo jurídico. E não só nesse âmbito, mas é de conhecimento amplo o fato de que leis podem ser inconstitucionais ou ilegais.
É nesse aspecto que discute-se que, embora não seja toda a lei, o artigo acima apresenta inconstitucionalidade ao prever que um direito concedido judicialmente poderia ser revisto por entidade administrativa.
Decisões judiciais transitadas em julgado ocorrem quando não cabe mais recurso, indicações, apelações, questionamentos e um direito torna-se adquirido ou a situação (coisa) está definitivamente julgada.
Com base no art. 5, inciso XXXVI, da Constituição Federal, a lei não pode prejudicar/alterar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Logo, o referido decreto, que figuraria no lugar da lei, não possui força para alterar uma decisão judicial que concedeu a reforma a um militar das Forças Armadas.
Todavia, mesmo observada essa incompatibilidade com a Constituição Federal, caso você militar reformado com base em decisão judicial que concedeu o benefício venha a ser convocado pela administração militar, será bem mais simples reverter a revisão realizada.
Observada a possível inconstitucionalidade da revisão, pode surgir a falsa hipótese de que não precisaria comparecer à convocação, mas esse não é o melhor caminho.
O tópico a seguir te esclarece melhor sobre o que deve fazer a partir da convocação.
6. Sou militar reformado e quero recusar a convocação para revisão do benefício: quais as consequências?
A convocação feita pela administração militar para ter sua reforma reavaliada pode não ser um convite tão atrativo.
Todavia, recusar de forma expressa a convocação ou simplesmente não atendê-la gera como consequência a suspensão do benefício. Como dispõe o art. 4 do DECRETO Nº 10.750, DE 19 DE JULHO DE 2021.
A suspensão do benefício apresenta-se como uma consequência legal frente à recusa à convocação. Posto que, além da previsão no decreto, o Estatuto dos Militares prevê que o militar reformado poderá ser convocado a qualquer momento pela Administração Militar e vai além:
Art. 112-A […] § 1º O militar reformado por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas ou reformado por invalidez é obrigado, sob pena de suspensão da remuneração, a submeter-se à inspeção de saúde a cargo da Administração Militar.
Com base no art. 112-A, o Estatuto dos Militar trata de forma direta e imperativa que o militar convocado para inspeção de saúde “é obrigado” a comparecer.
A inspeção será toda a cargo da própria Administração Militar, mas não comparecer é que gerará ônus para o militar com a suspensão de sua remuneração.
Com vistas à razoabilidade das medidas, pode-se observar como possibilidade de recusa à convocação quando o militar possui severa invalidez. Frente a impossibilidade de se locomover até o local da inspeção de saúde, o militar possui o direito de que seja realizada em sua residência.
Portanto, a suspensão do benefício é a consequência em regra para a recusa, mas tem-se a possibilidade de análise do caso concreto, ok?
7. Vai se submeter a inspeção de saúde para revisão de reforma militar: saiba o que é necessário.
A Inspeção de Saúde possui como objetivo avaliar como está a integridade física ou, até mesmo, psicológicas do militar. Com o procedimento, é emitido um parecer pelos profissionais da junta médica em que externam a condição do militar.
Com base no parecer dos profissionais de saúde, documento que expressa as considerações de especialistas sobre o caso, a administração militar avalia se a situação que ensejou a reforma continua, se foi reclassificada de invalidez em incapacidade, dentre outros.
Assim, ao ser convocado pela administração para inspeção de saúde, como quesito principal, o militar deve atentar-se para providenciar com antecedência documentações médicas atualizadas (exames, relatórios, laudos, etc).
Levar documentos desatualizados, além de não expor sua situação atual, não serão levados em consideração pelos peritos, especialmente se já o tiver analisado em inspeção anterior. Saiba de tudo em:
8. O que pode ocorrer se constatado que havia vício na concessão da reforma?
Da revisão realizada pela administração podem ocorrer casos em que sejam descobertas irregularidades na concessão das reformas.
No caso de reformas que foram concedidas de forma viciosas, são encaminhados processos para o Ministério Público Militar e para a Advocacia Geral da União frente a maculação indevida ao patrimônio da União.
Além dos impactos financeiros que a reforma indevida pode gerar à Força, a ausência dos serviços dos militares que deveriam estar contribuindo com as atividades também é um fator que resta à Administração Militar suportar. O que tem contribuído para os atos de revisão pelo ônus da diminuição de seu quadro efetivo (BIÉ JUNIOR, 2019).
Acontece que, além da análise das ilegalidades presentes na concessão do benefício, sua identificação virá também seguida da possibilidade de cobrança retroativa dos valores que foram pagos.
Visto que, os atos de revisão visam resguardar a melhor forma de investimento dos valores que são repassados pela União à Administração Militar. Com vistas ao enxugamento da folha de gastos, tais revisões ocorrerão de forma cada vez mais frequente e eficaz.
9. Veja o vídeo completo no nosso canal
Conclusão
Com esse conteúdo você agora sabe sobre a possibilidade legal de ter sua reforma por incapacidade definitiva ou invalidez revisada pela administração castrense.
No caso de ser convocado pela administração para realizar uma nova inspeção de saúde, a melhor decisão é a de comparecer. Pois, agora você sabe que a recusa pode resultar na suspensão de seu benefício (art. 112-A do Estatuto dos Militares).
Lembre-se que, mesmo sua reforma tendo sido concedida por decisão judicial, como discutido anteriormente, em primeira ordem, o melhor é atender a solicitação. Caso haja algum prejuízo com a revisão, tem-se a possibilidade de revertê-la judicialmente.
Contudo, deve-se lembrar que a reforma do militar é concedida como uma medida especial diversa das atividades laborais civis.
Ser militar deve ser sinônimo não só das restrições do ofício, mas também de receber proteção e concessão compatíveis a seus direitos e as necessidades do servir. Especialmente, quando necessita da reforma em razão da incapacidade ou invalidez.
Se você continuou com alguma dúvida, ou precisa conversar comigo sobre seu caso e história.
Me manda um email (contato@vlucio.adv.br) ou uma mensagem pelo Whatsapp.
Será uma honra conversar com você.
Abraços militares,
Vinicius Lúcio
Advogado Militar, Professor de Direito e Mestre em Direito Constitucional (UFRN)
Ianna Cunha
Estagiária de Direito no VL Advogados
Referências
BIÉ JUNIOR, Ten Cel MB ANTÔNIO DALMI. A Reforma dos Militares: A incapacidade definitiva em confronto com o instituto da inclusão social de pessoas com deficiência. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Formação Complementar do Exército / Centro Universitário do Sul de Minas – UNIS-MG. Salvador, 2019. Disponível em: https://bdex.eb.mil.br/jspui/bitstream/123456789/5599/1/CGAEM_2019_2%20TC%20BIE.pdf. Acesso em: 04 fev. 2022.
BRASIL. Lei n° 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Dispõe sobre o Estatuto dos Militares. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6880compilada.htm. Acesso em: 01 fev. 2022.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 01 fev. 2022.
BRASIL. Decreto nº 10.750, de 19 de julho de 2021. Regulamenta o procedimento de revisão da reforma por incapacidade definitiva para o serviço ativo ou por invalidez de militares inativos, de carreira ou temporários, das Forças Armadas. Disponível em:https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/1249484444/decreto-10750-21 . Acesso em: 04 fev. 2022.