A Reforma dos Militares (Lei 13.954), no final do ano 2019, trouxe inúmeras mudanças na legislação militar. Foram alteradas as leis que dizem respeito ao Estatuto dos Militares, as pensões militares, até chegar a vez dos militares anistiados.
Uma das intenções claras da lei foi aumentar a arrecadação instituindo cobranças “previdenciárias” aos pensionistas (filhas, viúvas, e outros) de militares das Forças Armadas. Inclusive aos provenientes dos Anistiados Políticos!
Entenda como ficou a situação dos militares anistiados e seus pensionistas, a partir das modificações legislativas de 2019. Será que essa é uma medida legal? Militar anistiado deve contribuir ou não para a pensão militar?
Acabaremos com todas essas dúvidas. Só descer o mouse!
- O que é anistia?
- O que significa um militar ser anistiado político?
- Quais as leis aplicadas aos militares anistiados políticos no caso das contribuições previdenciárias?
- O que é ser pensionista militar?
- Pensionistas de militares anistiados devem pagar contribuição previdenciária?
- Quais os posicionamentos dos tribunais acerca das contribuições previdenciárias por militares anistiados?
1. O que é anistia política?
Frente ao período militar vivenciado no Brasil, foi instituída, em 1979, a Lei da Anistia (Lei n. 6683). Uma base legal que visou o estabelecimento e a reafirmação de vários direitos que estavam sendo desrespeitados, sejam de ordem civil ou militar.
A lei da anistia apresenta-se como um marco no processo de redemocratização do Estado brasileiro. Em suas disposições, consiste na libertação de presos políticos, desresponsabilização de agentes políticos, dentre outros. Como apresenta o art. 1 da lei:
Art. 1 – É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
A lei refere-se a diferentes tipos de crimes que seriam anistiados, ou seja, perdoados, esquecidos pelo Estado.
Por crimes políticos, de acordo com o entendimento do STF, podemos entender como condutas que atentam contra a soberania nacional ou contra a estrutura política do Brasil.
As condutas, para configuração dos crimes políticos, poderiam ser tanto concretas como potencialmente danosas. Bem como, alargava-se aqueles crimes que foram considerados conexos aos crimes políticos (STF – 2ª T. – HC nº 73.452/RJ – Rel. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 27 jun. 1997, p. 30.226).
Além dos anistiados por cometimentos de crimes políticos, ou seja, de atos considerados atentatórios à soberania nacional, pessoas que cometeram crimes eleitorais também foram perdoadas.
Crimes eleitorais ofendem o sistema eleitoral brasileiro, seja por compra de voto, boca de urna, coação ou ameaça, inutilizar ou impedir propaganda eleitoral, dentre outros. Tipo de crime que também recebeu anistia com a Lei n. 6683/79.
Por fim, mas não menos importante, a Lei de Anistia concedeu perdão aos cidadãos que haviam tido seus direitos políticos suspensos. Bem como, aos agentes do Estado e de seus poderes, legislativo, executivo e judiciário que pudessem ser penalizados por algum desses crimes.
Todavia, a Lei de Anistia dispos, expressamente, que não poderia ser utilizada para o perdão de crimes de terrorismo, assalto, sequestro ou atentado. Vide:
§ 2º – Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.
Logo, no caso em especial desta lei, a anistia poderá ser concedida apenas para casos dos crimes eleitorais, políticos e conexos. Segundo Neves (2012):
Destina-se, precipuamente, a crimes políticos; todavia, nada impede que o legislador, se não houver vedação constitucional, a entenda cabível a outros delitos. Como exemplo de vedação à concessão de anistia temos os crimes hediondos e equiparados, nos termos do que dispõe o inciso XLIII do art. 5 o da CF.
Pois, como aponta Assis (2007), a anistia funciona como uma medida que livra o acusado até mesmo dos registros da pretensão punitiva do Estado. Uma forma de abolitio criminis, abolir o crime.
Ademais, a anistia, em sua configuração genérica para além das previsões da Lei de Anistia, funciona como uma excludente de punibilidade prevista no art. 123 do Código Penal Militar.
Assis (2007) traz casos esclarecidos que podem te ajudar a compreender o instituto da anistia:
Ementa: Anistia para crimes políticos. Crime militar que nela não se compreende. Alegação de defesa, examinada nos autos da ação penal em face das provas não é das que podem ser examinadas em habeas corpus. (STF – Pleno – HC 40.221 – Rei. Min. Luis GaIotti – DJU 14.05.1964)
Ementa: Anistia. Interpretação do art. 1 e seu § 1; da Lei 6.683, de 28.08.1979. Crime de deserção praticado contemporânea au antecedentemente aos crimes políticos anistiados, considera-se conexo ou relacionado com os crimes políticos para o reconhecimento da extinção de punibilidade por força do § 1°, do art. 1″, da Lei 6.683, de 28.081979. RHC conhecido e provido. Maioria. (STFHC 59.834-RJ – 2′ T – ReI. Min. Firmino Paz – DJU 28.05.1982)
Mas vamos para o caso dos militares!
2. O que significa um militar ser anistiado político?
Há militares das Forças Armadas que são anistiados políticos. Uma parte deles e seus pensionistas tiveram seus benefícios instituídos pela Lei de Anistia, de 1979, e a outra parte foi beneficiada pela Lei 10.559, de 2002.
Ocorre que os militares anistiados que ficaram vinculados à sua respectiva força (Exército, Marinha ou Aeronáutica) foram SURPREENDIDOS também com a cobrança de desconto para pensão militar em suas fichas financeiras (contracheques).
3. Quais as leis aplicadas aos militares anistiados políticos no caso das contribuições previdenciárias?
Temos duas situações:
3.1 Militares anistiados com a Lei de Anistia (1979)
Bom, quanto aos militares anistiados e respectivos pensionistas da Lei de Anistia de 1979 é importante compreender que são protegidos pela própria Constituição Federal no Ato das Disposições Constitucionais Transitória.
No caso dos militares anistiados, a Lei concedeu o direito de retornarem ao serviço ativo. Como prevê o artigo 3, incluído pela Lei nº 10.559, de 2002:
Art. 3º O retorno ou a reversão ao serviço ativo somente deferido para o mesmo cargo ou emprego, posto ou graduação que o servidor, civil ou militar, ocupava na data de seu afastamento, condicionado, necessariamente, à existência de vaga e ao interesse da Administração.
O direito a retorno ou reversão ao cargo de origem do militar deve ser analisado em até 180 dias pela administração. Após esse prazo, a análise já encontra-se em mora desarrazoada.
No caso do retorno do militar alguns aspectos ainda precisarão ser observados. Primeiro,
§ 3º – No caso de deferimento, o servidor civil será incluído em Quadro Suplementar e o Militar de acordo com o que estabelecer o Decreto a que se refere o art. 13 desta Lei.
§ 4º – O retorno e a reversão ao serviço ativo não serão permitidos se o afastamento tiver sido motivado por improbabilidade do servidor.
Assim, os militares eram colocados para a inatividade caso tivessem ultrapassado o limite de idade.
3.2 Militares anistiados com a Lei 10.559 (2002)
Com a Lei Federal nº 10.559 de 2002 (criou o Regime do Anistiado Político) que concede de maneira clara e completa ISENÇÃO para o ANISTIADOS em geral (inclusive seus pensionistas), pois impede a respectiva força militar fazer qualquer tipo de cobrança de natureza previdenciária e de natureza semelhantes.
Então qualquer cobrança/desconto para pensão militar de pensionistas de militar anistiados é ILEGAL.
Neste caso aqui a ILEGALIDADE é mais flagrante, pois na própria lei há um dispositivo impedido qualquer desconto de natureza previdenciária ou contributiva para pensão:
Art.9º – Os valores pagos por anistia não poderão ser objeto de contribuição ao INSS, a caixas de assistência ou fundos de pensão ou previdência, nem objeto de ressarcimento por estes de suas responsabilidades estatutárias
Portanto, qualquer tipo de contribuições para PENSÃO MILITAR em militares anistiados e suas pensionistas é definitivamente ILEGAL.
Pensionista de militar anistiado não deve pagar contribuição para pensão militar! Pois, como previsto no artigo segundo e nono da Lei Federal nº 10.559 de 2002, a isenção da contribuição abarca militares anistiados desde 1946.
Se as cobranças foram feitas nos últimos meses devem ser devolvidas ao militar ou pensionista.
Vale lembrar que a pensão dos militares anistiados tem caráter de REPARAÇÃO ECONÔMICA, ou seja, tem natureza de INDENIZAÇÃO!
4. O que é ser pensionista militar?
Ser pensionistas de um militar quer dizer fazer parte de um sistema de seguridade social próprio das Forças Armadas (SELLMANN; PASSOS, 2019). Com financiamento realizado pelos próprios militares.
A Medida Provisória 2.215/01 (BRASIL, 2001), nos dá notícia de que os descontos obrigatórios do militar da ativa e inativo são:
Art. 15. São descontos obrigatórios do militar:
I – contribuição para a pensão militar;
II – contribuição para a assistência médico-hospitalar e social do militar;
III – indenização pela prestação de assistência médico-hospitalar, por intermédio de organização militar;
IV – impostos incidentes sobre a remuneração ou os proventos, de acordo com a lei;
V – indenização à Fazenda Nacional em decorrência de dívida;
VI – pensão alimentícia ou judicial;
VII – taxa de uso por ocupação de próprio nacional residencial, conforme regulamentação;
VIII – multa por ocupação irregular de próprio nacional residencial, conforme regulamentação. (BRASIL, 2001)
Os descontos obrigatórios destinam-se ao sistema de seguridade social das Forças Armadas, que engloba: a previdência social, a assistência social e a saúde, conforme artigo 194 da Constituição Federal.
Mas, diferente dos trabalhadores civis, que só contribuem do período em que trabalham até o momento de se aposentar. Os militares realizam a contribuição tanto quando estão em serviço ativo quanto no inativo.
A alíquota para assistência médica era de 3,5% e o percentual de pensão era de 7,5%; perfazendo 11%. Ou seja, constituía-se em uma contribuição idêntica à suportada pelo trabalhador civil, em regime geral ou próprio previdenciário.
Observa-se que, dentre os encargos de desconto obrigatório, apenas o pagamento de pensionistas de militares é custeado, parcialmente, com recursos previdenciários. Todavia, mesmo assim, o instituto da pensão continua sendo o menos gravoso para os cofres públicos.
O STF reconheceu até mesmo o direito de herdeiros de militares que perderam seus postos no serviço ativo. O que pode ser observado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4.507 foi concluído de maneira unânime.”
Todavia, anterior à reforma dos militares em 2019, já eram previstas propostas para aumentar a receita do Estado com relação à seguridade social. O aumento previsto era de 10,5%, que somado a contribuição para a assistência médico-hospitalar de 3,5%, chega a um total de 14%.
Com isso, a nova hipótese de cobrança coleciona críticas como um dos maiores encargos sociais no país.
Com a alteração de 2019, o governo incluiu quem serão os financiadores da pensão dos militares, passando a incorporar os próprios pensionistas como contribuintes. Podendo chegar até mesmo a 13,5% para filhas vitalícias não inválidas. Vide:
Art. 71. A pensão militar destina-se a amparar os beneficiários do militar falecido ou extraviado e será paga conforme o disposto em legislação específica.
§ 1º Para fins de aplicação da legislação específica, será considerado como posto ou graduação do militar o correspondente ao soldo sobre o qual forem calculadas as suas contribuições.
§ 2º Todos os militares são contribuintes obrigatórios da pensão militar correspondente ao seu posto ou graduação, com as exceções previstas em legislação específica.
§ 2º-A. As pensões militares são custeadas com recursos provenientes da contribuição dos militares das Forças Armadas, de seus pensionistas e do Tesouro Nacional. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 3º Todo militar é obrigado a fazer sua declaração de beneficiário que, salvo prova em contrário, prevalecerá para a habilitação dos mesmos à pensão militar.
Com essa nova previsão para recolher dinheiro, o governo acaba gerando um comprometimento dos rendimentos que até então eram recebidos por pensionistas de militares. Uma previsão que passa a gerar uma mudança repentina na qualidade de vida desses segurados.
Como relata o depoimento:
“Minha mãe tem problemas de saúde e é pensionista. São 700 reais a menos em seu recebimento mensal. Isso compromete demais. O futuro deve ser construído por aqueles que são MAIS NOVOS. Minha mãe tem 67 anos e gasta muito com remédio. Estaremos, em breve, com um capitão da aeronáutica debatendo alguns pontos sobre a possibilidade de entrarmos na justiça para derrubarmos esse absurdo de 10,50% descontados em folha. Ela é pensionista e também trabalhou a vida inteira de CLT. Merece um final de vida mais digno.”
Na lei Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960 são inúmeras as alterações aos pensionistas, resguardando-se apenas as filhas inválidas vitalícias, ou seja, que não podem desenvolver qualquer trabalho laboral para subsistência.
Art. 3º-A. A contribuição para a pensão militar incidirá sobre as parcelas que compõem os proventos na inatividade e sobre o valor integral da quota-parte percebida a título de pensão militar.
[…]
§ 3º A partir de 1º de janeiro de 2020, além da alíquota prevista no § 1º e dos acréscimos de que trata o § 2º deste artigo, contribuirão extraordinariamente para a pensão militar os seguintes pensionistas, conforme estas alíquotas:
I – 3% (três por cento), as filhas não inválidas pensionistas vitalícias;
II – 1,5% (um e meio por cento), os pensionistas, excetuadas as filhas não inválidas pensionistas vitalícias, cujo instituidor tenha falecido a partir de 29 de dezembro de 2000 e optado em vida pelo pagamento da contribuição prevista no art. 31 da Medida Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001.
Logo, as alterações com a reforma dos militares em 2019, traz a instituição de cobrança para pensionistas. Apresentando, ademais, dois casos extraordinários de cobrança: a) filhas não inválidas pensionistas vitalícios; b) pensionistas com falecimento do instituidor a partir de 2000 e que tenham optado pela MP 2001.
5. Pensionistas de militares anistiados devem pagar contribuição previdenciária?
Com as alterações legislativas de 2019, os militares anistiados e seus pensionistas passaram a ser cobrados com base na “Contribuição para pensão militar”. No ano de 2021, a percentagem da contribuição era de 9,5% e que, no ano de 2022, passou a ser de 10,5%.
A instituição dessas cobranças gerou uma situação de ilegalidade tanto para militares anistiados pela Lei da Anistia, de 1979, quanto pela Lei 10.559 (2002). Visto que, as remunerações recebidas por militares anistiados possuem caráter indenizatório.
Mesmo com as alterações trazidas em 2019, os Pensionistas de Anistiados Políticos (militares) e algumas outras situações pontuais são exceções que não precisam contribuir.
Cuida-se de recurso interposto pela União contra a sentença de procedência que declarou a inexigibilidade do desconto ao custeio do Fundo de Saúde da Aeronáutica (FAMHS) sobre os proventos de pensão/reforma oriundos de anistia política e condenou a ré a restituir os valores indevidamente recolhidos a tal título. [RECURSO CÍVEL N 5048431-75.2017.4.04.7100/RS, Rel. Joane Unfer Calderado]
No trecho acima, retirado de decisão do Tribunal Regional Federal da 4 região, traz posicionamento relevante sobre a impossibilidade de descontos nas remunerações oriundas da anistia política.
Embora trate de um desconto para causa diferente (Fundo de Saúde da Aeronáutica), serve para fundamentar que a União não foi bem sucedida ao realizar descontos nas pensões ou remuneração de anistiados políticos. Tendo que devolver os valores.
Logo, como expresso na decisão, observa-se a proteção também por via judicial dos pensionistas de militares que eram anistiados políticos que, assim como esses, têm resguardada o seu recebimento sem descontos.
Conclusão
Como primeiro caminho para solucionar essas cobranças e descontos indevidos nos contracheques, o recomendado é fazer um requerimento administrativo para que os valores de contribuição não sejam mais cobrados, com base nas legislações que resguardam esse direito. Requerendo a devolução dos valores pagos nos últimos meses.
Caso não seja suficiente, a saída é entrar com uma ação judicial para que seja possível assegurar esse direito como militar anistiado político ou seu respectivo pensionista.
Referências
SELLMANN, Milena Zampieri; PASSOS, Raphael Ramos Passos. A vitaliciedade do posto de oficial das forças armadas como instrumento de concretização dos direitos sociais na ordem econômica, previdenciária e tributária. Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social, v. 5, n. 1, p. 59 – 81, 2019. Disponível em: https://indexlaw.org/index.php/revistadssps/article/download/5545/pdf.
Agência Câmara de Notícias. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/627140-entra-em-vigor-lei-com-novas-regras-para-aposentadoria-dos-militares/
IBDFAM. STF valida pensão para herdeiros de militares do Distrito Federal expulsos da corporação. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/9385/STF+valida+pens%C3%A3o+para+herdeiros+de+militares+do+Distrito+Federal+expulsos+da+corpora%C3%A7%C3%A3o