Militar com HIV nas Forças Armadas: Reforma Militar em 09 passos

O fato de militares contraírem o vírus do HIV tem sido um tema de discussão do Ministério da Saúde e do Ministério da Defesa, desde 1996. A situação especial do militar com HIV pode ocorrer por algumas razões.

Os conscritos do Exército brasileiro possui a grande concentração de jovens com idades entre 17 e 22 anos ao serviço militar obrigatório, uma vida sexual ativa, transfusão de sangue, dentre outras causas, tem aumentado a incidência da doença no mundo militar. 

As discussões sobre os direitos dos militares nesses casos, também já tem sido tema de discussão a mais de 13 anos nos tribunais brasileiros. Chegando ao STJ para pacificação dos entendimentos, em 2021. 

O entendimento do direito de reforma conferido ao militar com HIV finalmente foi pacificado com o julgamento do Recurso Repetitivo 1088 pelo STJ em 2022. As alterações foram inúmeras, especialmente, para os militares temporários.

Mas, embora a grande relevância do tema, muitos militares desconhecem ser soropositivos ou não, como também, os seus direitos nesse caso.

Esse não será mais seu caso, você saberá tudo sobre o tema. Basta mover o mouse e ler o texto que preparamos para você!  

1. O que é a reforma dos militares das Forças Armadas? 

A reforma dos militares das Forças Armadas é uma medida administrativa utilizada quando o militar necessita ser afastado do serviço ativo, passando a situação de reformado. 

O artigo 106 do Estatuto dos Militares traz dezenas de incisos e alíneas com situações que podem levar à reforma de um militar. Questões como incapacidade, tempo de serviço e penas administrativas. Vide:

a) atingir as idades-limite de permanência na reserva; 

b) for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas; 

c) estiver agregado por mais de 2 (dois) anos por ter sido julgado incapaz, temporariamente, mediante homologação de Junta Superior de Saúde, ainda que se trate de moléstia curável; 

d) for condenado à pena de reforma prevista no Código Penal Militar, por sentença transitada em julgado; 

e) em consequência de Conselho de Justificação (oficiais) a que foi submetido e Conselho de Disciplina (Guarda-Marinha, Aspirante a Oficial ou praça com estabilidade assegurada).

Os casos trazidos no trecho acima são os que de acordo com a lei podem gerar a reforma do militar. 

O militar reformado, de acordo com o mesmo artigo, § 3º, é desobrigado, definitivamente, do serviço militar e considerado pensionista, ou não, do Estado. Podendo exercer alguma tarefa por tempo certo de interesse da Força.

Os militares reformados, todavia, mantêm os títulos e postos que chegaram quando do serviço ativo. Como também, resguardam muitos direitos, como hierarquia, prisão especial, dentre outros (ABREU, 2010). 

Caso ainda possua dúvidas sobre as delimitações do que é a reforma militar, suas diferenças para com a reserva militar, temos um texto que trata especialmente dessas temáticas. 

Revisão e cassação de reforma de militar: conheça os 2 casos. Disponível em: https://direitosdosmilitares.com/revisao-e-cassacao-de-reforma-militar/

Mas vamos para a discussão sobre as particularidades da reforma no cabe a militares que contraíram o vírus do HIV.  

2. O que pode ser entendido por HIV? 

O HIV é um vírus que ao ser contraído pode se manifestar no organismo e gerar a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – AIDS. 

É importante saber bem a diferença entre HIV e AIDS, pois para alguns tribunais possuir apenas o HIV não seria causa para reforma do militar. 

O HIV é uma sigla em inglês que nomeia o vírus conhecido como “vírus da imunodeficiência humana”. Ele causa infecções nas células do sangue, no sistema nervoso e a supressão do sistema imune. 

Com isso, o HIV fragiliza o sistema imunológico de quem possui o vírus, tornando seu portador mais suscetível a contração de doenças e a quadros mais graves até mesmo para doenças consideradas mais brandas. 

Possuir o vírus do HIV não é o mesmo que possuir a AIDS. No primeiro caso, tem-se pessoas soropositivas, ou seja, que apenas possuem o vírus no sangue. Já a AIDS ocorre com o aparecimento de sintomas e com o desenvolvimento da doença.  

“Pegar” o vírus do HIV pode ocorrer por situações como: relações sexuais sem preservativo, compartilhamento de seringas, transfusão de sangue, de mãe que possui para o filho durante a gravidez, dentre outros. 

Especialmente, no caso dos militares, instrumentos que furam ou cortam quando não esterilizados também são formas de contágio do vírus do HIV. 

O vírus do HIV, infelizmente, ainda é uma doença que não possui cura, informação que por si pode trazer grande sofrimento psicológico e emocional para quem é diagnosticado com a doença. 

Familiares e conhecidos, ao deparar-se com esse diagnóstico, também precisam conhecer melhor a doença com vistas a evitar casos de descriminação, de acordo com a Lei 12.984/2014. 

Visto que, a quantidade de pessoas no mundo que vivem com HIV era de 37,7 milhões [30,2 milhões – 45,1 milhões] no mundo inteiro estavam em 2020. O que eleva a necessidade desse grande quantitativo de pessoas terem seus direitos devidamente resguardados. 

De acordo com Damacena et al. (2019): 

A prevalência de HIV foi apresentada sob duas perspectivas: autorreferida e diagnosticada laboratorialmente (Tabela 2). Diferenças foram encontradas tanto para o Brasil, quanto para as macrorregiões, exceto para o Centro-Oeste. A prevalência autorreferida para o Brasil foi de 0,5%, enquanto a laboratorial foi de 0,12%. Chama atenção a grande diferença encontrada para a região Sudeste, com prevalência autorreferida de 0,9% e laboratorial de apenas 0,07%. Ainda sobre a infecção pelo HIV, foi medido o percentual de conscritos identificados como positivos no exame laboratorial e que já conheciam seu status sorológico; apenas 5,1% deles já sabiam estar infectados pelo HIV, número ainda menor no Norte (2,2%).

No contexto dos militares, as estatísticas também não são muito animadoras. Visto que, militares possuem de 3 a 5 vezes mais chances de contrair Doenças Sexualmente Transmissíveis – DSTs. Razão pela qual, há o próprio Comitê de Prevenção e Controle de HIV/Aids das Forças Armadas no Brasil (COPRECOS – Brasil).

Mas vamos à pergunta que não quer calar. 

3. Um quadro de HIV pode gerar direito à reforma do militar?

Muitas são as informações desencontradas. Especialmente, acerca do HIV. Mas, afinal, o militar com HIV tem direito a reforma ou não?

Sim. Militares que contraem o HIV possuem direito a reforma nos serviços militares. 

militar com hiv
militar com hiv

Algumas decisões administrativas têm negado o direito à reforma para militares que apenas possuem o vírus do HIV. O fundamento é de que a reforma só seria cabível no caso da incapacidade definitiva e possuir o vírus do HIV seria uma incapacidade temporária. 

Todavia, o art. 108, V, do Estatuto dos Militares, dispõe que:

Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em consequência de:

I – ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública;

II – enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações;

III – acidente em serviço;

IV – doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;

V – tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e

VI – acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço.

       

Com base no trecho grifado, fica evidente a possibilidade que o artigo traz do enquadramento de outras doenças que possam gerar incapacidade definitiva. Caso que, pode-se enquadrar, sobretudo, o vírus do HIV, doença que ainda não possui cura. 

Com base nessa acertada interpretação, os militares que possuem o vírus do HIV foram resguardados pela Lei n. 7.670, desde 8 de setembro de 1988.

Com base na lei, foi estendido aos militares portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA/AIDS vários benefícios. Dentre esses, o art. 1, inciso I, alínea c, prevê que A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA/AIDS justifica a concessão de: c) reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980;

Embora seja um direito resguardado desde 1988, a prática administrativa mais comum é voltada para o licenciamento dos militares que são diagnosticados com o vírus do HIV. 

O licenciamento visa o “tratamento” durante um prazo de três ou quatro meses, por exemplo. Mas após o término desse afastamento temporário, o militar já precisa voltar ao serviço ativo. 

Todavia, a rotina das atividades militares, como você sabe, é bastante intensa, sendo incompatível ao militar que possui o vírus do HIV. 

Pois, um militar com HIV precisa se submeter constantemente a inspeções de saúde, cuidados específicos com alimentação, com o esforço físico, a saúde psicológica, dentre outros. 

O novo estilo de vida que precisará ser enfrentado pelo militar necessita de uma rotina regrada, longe das exigências e esforços próprios do servir castrense. Posto que, a possibilidade de contrair uma gripe, diferente dos militares que não possuem o vírus, pode levá-lo a óbito. 

Assim, reafirma-se: Sim, militares que contraem o HIV possuem direito a reforma nos serviços militares!

4. Militar com HIV pode ser classificado como  invalidez nas Forças Armadas? 

A invalidez e a incapacidade definitiva não se confundem. A invalidez ocorre quando o militar está completamente inapto total ou permanentemente para qualquer atividade laboral, seja ela pública ou privada, militar ou civil.  

Enquanto que, a incapacidade está relacionada à impossibilidade de exercer apenas o trabalho militar. 

O enquadramento do HIV, em regra, é classificado como uma incapacidade definitiva, ou seja, de impossibilidade apenas para o exercício da atividade castrense. O que pode ser observado nos termos do artigo abaixo: 

Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:

I – ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública;

II – enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações;

III – acidente em serviço;

IV – doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;

V – tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada; e           (Redação dada pela Lei nº 12.670, de 2012)

VI – acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e efeito com o serviço.

Além do artigo acima, o Superior Tribunal de Justiça em seus julgados também classifica possuir o vírus do HIV, em regra, como uma incapacidade definitiva. Em seu julgado mais recente – o Recurso Repetitivo 1088 -, foi reafirmado o direito à reforma do militar portador do vírus HIV, independentemente do grau de desenvolvimento da doença, como uma incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas. 

A classificação do HIV, em regra, como uma incapacidade definitiva apenas para o serviço militar ocorre devido ao fato do militar possuir apenas o vírus, ou seja, ainda não desenvolveu a AIDS, não teve a sua imunidade afetada e nem o desenvolvimento de outras doenças. Assim, o militar com HIV é apenas um portador assintomático do vírus, não sendo considerado inválido.  

Muito embora, a depender do desenvolvimento da doença e das limitações à saúde e à atividade laboral gerada por essa, pode-se observar a possibilidade de enquadramento no caso também da invalidez.

militar com hiv. Disponível em: https://youtu.be/4oeJbsPmV0E

5. Militar com HIV tem direito a posto acima nas Forças Armadas? 

Quando o militar é reformado passa a receber um soldo, ou seja, uma remuneração, um valor pago pela União para o seu sustento. 

O art. 110 do Estatuto dos Militares prevê que o militar da ativa ou da reserva remunerada será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir, nos casos do art. 108: 

I – ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública; 

II – enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações;

Mas, além dos casos resguardados pelos incisos acima, o § 1º disposto neste artigo também alarga para os casos de incapacidade definitiva e invalidez dos itens III, IV e V do artigo 108, sendo eles: 

III – acidente em serviço;

IV – doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;

V – tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada;

Assim, com base no trecho em negrito e na Lei n. 7.670/88, os militares que possuem o vírus do HIV também estão resguardados na reforma com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir.

Os postos nas Forças Armadas serão graduados em:

§ 2º Considera-se, para efeito deste artigo, grau hierárquico imediato:

a) o de Primeiro-Tenente, para Guarda-Marinha, Aspirante-a-Oficial e Suboficial ou Subtenente;
b) o de Segundo-Tenente, para Primeiro-Sargento, Segundo-Sargento e Terceiro-Sargento; e
c) o de Terceiro-Sargento, para Cabo e demais praças constantes do Quadro a que se refere o artigo 16.

Assim, as remunerações poderão ser de Primeiro-Tenente, Segundo-Tenente ou Terceiro-Tenente a depender do posto do militar, nos casos dos incisos I a V do art. 108 do Estatuto dos Militares. 

Por fim, no caso do inciso VI, que ocorre quando não a relação com o serviço, o militar considerado incapaz definitivamente será reformado com dois tipos de remuneração: I – com remuneração proporcional ao tempo de serviço, se oficial ou praça com estabilidade assegurada; II – soldo integral do posto ou graduação, desde que, seja considerado inválido.

6. Como os tribunais vêm se posicionando sobre o direito de militares com HIV? 

Primeiro, é importante saber que matérias de direito militar são de competência da justiça federal. Assim, são direcionadas aos Tribunais Regionais Federais – TRFs e, em grau de recurso, sobem para o Superior Tribunal de Justiça – STJ. 

O Brasil possui 5 TRFs. Em decisões acerca da temática referente ao direito dos militares com HIV a reforma e, em especial, a forma de soldo que receberão, alguns têm dado decisões negativas a esses direitos. 

A matéria, devido a sua grande repercussão, chegou até o STJ para pacificar o entendimento. 

O STJ firmou tese em 2021, após julgar três recursos especiais: Resp 1872008-RS,

Resp 1878406-RJ e Resp 1901989-RS. Ao caso, o STJ reconheceu o rito repetitivo, devido a grande incidência de processos que já vinham requerendo o posicionamento dos tribunais acerca do direito de reforma dos militares com HIV. 

O STJ, na primeira seção do tribunal, na pessoa da ministra Assusete de Magalhães, reconheceu o direito à reforma dos militares com HIV.

Em análise a apelação N. 5002453-94.2016.4.04.7105-RS, o militar havia sido incorporado em 2009, havia se engajado no mesmo ano e possuía a graduação de cabo. 

Em 2016, após constatar que havia adquirido HIV, mesmo sem sintomas durante o período, o militar entrou com o pedido de reforma e foi submetido a inspeção de saúde classificado como incapaz B1. 

Todavia, o citado militar foi apenas licenciado por 45 dias para tratamento. Pois, ao ser classificado como incapaz foi considerado apenas como possuidor de uma incapacidade temporária e, assim, poderia trabalhar na esfera civil, privada. 

Todavia, observa-se que os militares com HIV possuem uma incapacidade definitiva devido ao enquadramento legal no art. 108, V e art. 1, I, c, da lei 7.670 de 1988. 

Assim, um mero licenciamento não pode ser reconhecido como medida legítima para amparar militares com HIV. Mas sim, a reforma. 

Para compreender melhor o tema assista o vídeo abaixo:

7. O militar com HIV precisa estar com o quadro desenvolvido para AIDS para ter direito à reforma?

Muitos são os pontos de discussão acerca da temática da HIV e o direito militar, não é mesmo? Mas temos muitos outros e, dentre esses, as dúvidas sobre HIV e AIDS.

Como visto anteriormente, estes são quadros diferentes. Assim reconhece o Recurso Repetitivo 1088 do Superior Tribunal de Justiça – STJ. 

Neste recurso não se discute mais se os militares que apenas possuem o vírus do HIV, ou seja, são soropositivos, possuem direito à reforma ou não. Já é pacificado que militares com HIV possuem direito de reforma. 

Em 10 de agosto de 2022, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o direito de reforma em grau hierárquico superior em regra não é devido aos militares assintomáticos do vírus do HIV. Por exemplo, o militar exercia o cargo de cabo na ativa, no caso de ser reformado, passaria a receber a remuneração de terceiro sargento. 

O entendimento fixado pelo Recurso Repetitivo 1088, com decisão publicada em 2022, é de que os militares assintomáticos do HIV possuem o direito à reforma. Todavia, em regra, a reforma será calculada com base no soldo que o militar recebia na ativa. 

A tese de que militares com HIV, por ser essa uma doença grave e incurável, seria no grau hierárquico superior não mais se sustenta.  

Assim define o Superior Tribunal de Justiça: 

“independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Sida/Aids), porém, sem a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa, se não estiver impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho, na forma do artigo 110, parágrafo 1º, da Lei 6.880/1980.”

Com base no novo entendimento firmado pelo Tribunal, para reforma em grau hierárquico superior é necessário a comprovação de que o militar está inválido. Visto que, essa é a previsão externada pelo artigo 110, parágrafo 1 da Lei 6.880/1980.  

Art. 110. O militar da ativa ou da reserva remunerada, julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos incisos I e II do art. 108, será reformado com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir ou que possuía na ativa, respectivamente.           (Redação dada pela Lei nº 7.580, de 1986)

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos previstos nos itens III, IV e V do artigo 108, quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.

A incapacidade por HIV foi acrescentada no inciso V do artigo 108 do Estatuto dos Militares. Assim, prevê o artigo acima que no caso do referido inciso será necessário a comprovação da invalidez do militar para reforma em grau hierárquico superior. 

No caso dos militares de carreira com HIV, há duas possibilidades: 

  1. Militar de carreira inválido: será reformado com base no grau hierárquico superior; 
  2. Militar de carreira com incapacidade definitiva (é incapaz apenas para o serviço militar): será reformado no grau hierárquico correspondente ao ocupado quando da ativa; 

Até mesmo antes da consolidação do entendimento pelo STJ, alguns juízes já vinham decidindo pela reforma dos Militares com HIV na forma assintomática com a mesma remuneração que recebia no cargo durante a ativa. Todavia, após a decisão do STJ, terá que seguir as diferenciações acima.  

8. Porque os militares com HIV possuem o direito de serem reformados? 

O militar com HIV possui o direito de ser resguardado de exposições comprometedoras em grande escala a sua saúde, visto que esta se encontra fragilizada devido a possibilidade de diminuição da imunidade e a contração de doenças. 

Deve ser uma atitude essencial das Forças Armadas, a que o Militar dedicou a sua higidez física e mental em seus melhores dias, a proteção de sua saúde. 

Assim, as alegações de que o fato do militar possuir apenas o vírus do HIV não tiraria do militar a capacidade de trabalhar, seja no serviço ativo ou em trabalhos civis, não se sustentam para o indeferimento do direito à reforma. 

Deve-se observar que o HIV pode ir se agravando ao decorrer do tempo, desenvolver o quadro da AIDS e gerar maiores limitações e debilidades ao militar que não deve ficar desassistidos nesses casos. 

Posto que, a doença pelo vírus do HIV não configura uma incapacidade temporária, mas sim uma incapacidade permanente, devido a gravidade da doença e o fato de ainda não possuir cura. 

Assim, no caso de diagnóstico, não pode ser requerida ao militar a comprovação de relação com o serviço para o deferimento da reforma, posto que a legislação não contrapõe tais limitações. 

9. Militares temporários podem ser reformados ao contraírem HIV?

 

Os militares temporários sofrem algumas restrições aos direitos concedidos pelo Estatuto dos Militares e pelas demais legislações. Isso também ocorre no caso dos direitos dos militares temporários à reforma, visto que possuem requisitos mais rígidos para concessão do que os militares de carreira. 

O militar temporário que contrair o vírus do HIV terá o direito à reforma resguardado. Pois, assim prevê o art. 109 do Estatuto dos Militares. Todavia, não ocorrerá na mesma amplitude que aos militares de carreira. 

Para os militares temporários que possuem HIV não basta o desenvolvimento de uma mera incapacidade definitiva, por ser temporário, o militar precisará demonstrar que possui um quadro de invalidez.  

Art. 109. O militar de carreira julgado incapaz definitivamente para a atividade militar por uma das hipóteses previstas nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei será reformado com qualquer tempo de serviço.         (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos I e II do caput do art. 108 desta Lei.        (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei se, concomitantemente, for considerado inválido por estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada.

Isso ocorre porque a incapacidade por HIV está embasada apenas no artigo 108, V, do Estatuto dos Militares, não possuindo relação com o serviço militar. Nos incisos III, IV e V do artigo 108, tem-se: III – acidente em serviço; IV – doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço; V – doenças incapacitantes (HIV). Nesses casos, é necessário aos militares comprovarem ser incapazes definitivamente ou inválidos. 

A realidade dos militares temporários frente ao direito de reforma viu-se prejudicada com a reforma dos militares que ocorreu com a  Lei nº 13.954, de 2019), cuja redação deu forma aos incisos acima transcritos. 

Frente à reforma dos militares, a necessidade do militar temporário com HIV comprovar que possui um quadro de invalidez para só assim possuir direito à reforma também foi tema do Recurso Repetitivo 1088. 

Na decisão, proferida em 2022, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de comprovação do quadro de invalidez para que os militares temporários com HIV tenham direito à reforma, mesmo sendo uma previsão mais prejudicial ao militar. 

Na decisão, a relatora deixou claro que em cenário anterior à nova lei publicada em 2019, os militares temporários possuíam direito à reforma por HIV mesmo quando presumida uma incapacidade definitiva. Ou seja, anterior à reforma dos militares em 2019, os militares temporários possuíam o mesmo tratamento dado aos militares de carreira.   

Assim, bastava ao militar temporário comprovar que possuía HIV e que possuía uma incapacidade apenas para o serviço militar, da mesma forma que aos militares de carreira, para ter direito à reforma. Veja o que expôs o tribunal:

“Portanto, a reforma do militar temporário, com fundamento no artigo 108, V, da Lei 6.880/1980 (doenças), somente após o advento da Lei 13.954, de 16/12/2019, passou a exigir a invalidez, requisito não preenchido pelo portador assintomático do vírus HIV. Essa perspectiva da ausência de invalidez, no caso, já era reconhecida pela jurisprudência do STJ, ao afirmar que o direito à reforma do militar portador do vírus HIV, independentemente do grau de desenvolvimento da doença, dava-se por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, ou seja, por incapacidade apenas para o serviço militar”, disse.

Atualmente, com a reforma legislativa e a fixação do entendimento pelo STJ no Recurso Repetitivo 1088, o militar temporário precisará comprovar que possui invalidez, estando totalmente incapacitado para o exercício de qualquer atividade laborativa, seja militar ou civil, para ter direito à reforma militar por HIV.  

Conclusão 

Com a leitura do texto, você passou a diferenciar o que é reforma militar, o vírus do HIV entre os militares, a desnecessidade de desenvolver o quadro de AIDS para possuir direito à reforma, a forma que será calculada a sua remuneração. Como também, tomou conhecimento até mesmo do posicionamento dos tribunais acerca de seu direito. 

Mas, atenção, adverte Damacena et al (2019) que o percentual de militares conscritos que conhecem o seu status de soropositivo ainda é baixo. Uma das razões é a baixa testagem de HIV. O que aumenta a possibilidade de transmissão da doença. 

Conheça bem sua saúde, não deixe seu quadro se agravar para buscar seus direitos. 

Se você tem mais dúvidas, ou precisa conversar comigo sobre seu caso e história.

Me manda um email (contato@vlucio.adv.br) ou uma mensagem pelo Whatsapp.

Será uma honra conversar com você.

Abraços militares,

Vinicius Lúcio

Advogado Militar, Professor de Direito e Mestre em Direito Constitucional (UFRN)

Ianna Cunha 

Estagiária de Direito no VL Advogados

Referências

ABREU, Jorge Luiz Nogueira de. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2010.

BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/o-que-e-hiv. Acesso em: 15 mar. 2022. 

BRASIL. LEI Nº 12.984, DE 2 DE JUNHO DE 2014. Define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de aids. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12984.htm

BRASIL. UNAIDS. Estatísticas. Disponível em: https://unaids.org.br/estatisticas/

BRASIL. Instrução Normativa nº 1 de 27/05/2010 / SEORI – Secretaria de Organização Institucional. Dispõe sobre a organização e o funcionamento do Comitê de Prevenção e Controle de HIV/Aids das Forças Armadas no Brasil (COPRECOS – Brasil). Disponível em: https://www.diariodasleis.com.br/legislacao/federal/214357-comite-de-prevencao-e-controle-de-hiv-aids-das-forcas-armadas-no-brasil

BRASIL, Lei Nº 6.880, De 9 De Dezembro De 1980, Estatuto dos Militares, art. 50. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6880.htm> Acesso em: 20 jan. 2022.

DAMACENA, Giseli Nogueira et al. A portrait of risk behavior towards HIV infection among Brazilian Army conscripts by geographic regions, 2016. Revista Brasileira de Epidemiologia [online]. 2019, v. 22, n. Suppl 1 [Acessado 15 Março 2022] , e190009. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1980-549720190009.supl.1>. Epub 26 Set 2019. ISSN 1980-5497. https://doi.org/10.1590/1980-549720190009.supl.1

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