A legal aplicação das cotas raciais nos concursos militares tem ganhado foco entre os candidatos que contestam a forma de recompletamento das listas.
Os erros nas convocatórias podem chegar a prejudicar cerca de 100 cotistas. Candidatos que poderiam estar sendo chamados para a segunda etapa, mas não estão.
Entenda porque as convocatórias estão equivocadas e não perca sua vaga.
- O que são cotas raciais?
- Qual a lei que regulamenta as cotas raciais em concursos militares?
- Como a lei de cotas raciais era aplicada nos concursos da ESA até 2020?
- Quais os mecanismos resguardados pela Lei de cotas para proteger os candidatos de fraudes?
- Por que a convocação do concurso ESA 2021 está errada?
- Quais providências podem ser tomadas para reaver o direito a vaga na cota racial do concurso público?
- Qual tem sido o posicionamento dos tribunais nos casos de irregularidades nas cotas de concursos públicos?
1. O que são cotas raciais?
A sociedade brasileira apresenta inúmeras disparidades sociais, econômicas e étnicas. Como forma de minimizá-las, movimentos sociais, em especial de movimentos negros, lutaram para que politicas públicas emergencialistas de equiparação de oportunidades no país fossem concretizadas.
Como umas das formas de políticas públicas que resultaram desse processo, as cotas visam compensar ou abater, em certa medida, a dívida histórica que a sociedade brasileira contraiu ao escravizar sujeitos traficados de África e seus descendentes.
O Brasil foi o país que manteve a escravidão por mais tempo, cerca de 400 anos, sendo abolida apenas formalmente em 1888. Mas, as consequências sociais podem ser observadas principalmente na falta de assistência que foi dada pelo o Estado após a abolição.
Cidadãos pretos não tiveram oportunidades de estudo, trabalho digno, estabilidade social, dentre outros direitos. Frente a isso, políticas públicas de caráter emergencial são utilizadas pelo Estado brasileiro para tentar mudar essa realidade.
O sistema de cotas em concursos públicos, mais conhecido no ingresso em Instituições de Ensino Superior, também passa a ser uma realidade na equiparação de oportunidades e diversificação dos cidadãos que concorrem a concursos das Forças Armadas.
Desde os anos 90, as conquistas para os cotistas foram decisivas. Em especial no mundo jurídico e legislativo, foi aprovada a Lei 12.288 de 2010 (Estatuto da Igualdade Racial) e a Lei 12.711 de 2012 (50% das vagas para pessoas de escola pública).
Frente ao artigo 3 da Constituição Federal, que prevê um dos objetivos da República Federativa do Brasil, bem como do artigo 5, que traz direitos fundamentais a todos os sujeitos, que dizem:
Art. 3, IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes;
Pode parecer controverso a instituição pelo Estado de políticas que trazem direitos especiais para sujeitos apenas com base em suas cores ou raças. Todavia, essa seria uma interpretação apenas literal da letra da lei, sem observar a sistemática do direito brasileiro.
O Brasil possui, dentre os princípios norteadores de suas normas, o Princípio da Igualdade. Esse princípio divide-se tanto em uma igualdade formal (todos são iguais) quanto em uma igualdade material (todos são iguais na medida de suas igualdades).
Com base na igualdade material, a sociedade e aplicação do Direito precisa observar as diferenças vivenciadas pelos sujeitos para, com base nessas, promover uma nivelação de tratamentos e oportunidades.
2. Qual a lei que regulamenta as cotas raciais nos concursos militares?
Passado esse olhar ao contexto histórico das cotas no Brasil, vamos agora analisar qual a lei e como essa regulamenta a aplicação devida em concursos públicos.
Foi com a Lei 12.990 no ano de 2014, que a política de cotas passou a fazer parte dos concursos públicos, com reserva de vagas para candidatos autodeclarados negros de acordo com o IGBE.
Os concursos podem ser tanto para a administração pública federal, autarquias (ex: CAIXA, universidades federais), fundações e empresas públicas, sociedades de economia mista (ex: Banco do Brasil) controladas pela União. Nos termos do artigo 1º:
Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma
Como pode ser observado logo no artigo 1º, a lei traz qual será a quantidade de vagas resguardadas pelos concursos para as cotas. No caso, será de 20% de seu total de vagas. E será obrigatório quando o concurso tiver três ou mais vagas.
Todavia, os percentual de 20% não pode ser observado como um número de vagas limite para os candidatos negros. Como se apenas pudessem concorrer às vagas das cotas. Isso não seria interessante, pois estariam concorrendo a menos vagas do que se estivessem na ampla concorrência.
Na verdade, os candidatos que concorrem aos 20% das vagas nas cotas também podem passar para a lista de ampla concorrência quando atingem a nota dessa. Logo, concorrem às duas listas. A Lei 12.990/2014 diz:
Art. 3º Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso.
§ 1º Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.
Assim, os candidatos cotistas que atingissem notas suficientes para concorrer na ampla concorrência não teriam suas notas computadas na reserva de vagas. Sendo liberadas mais vagas para candidatos cotistas remanescentes, observada a ordem de classificação.
Por meio dessa lei, o Poder Público apresenta grande luta às desigualdades raciais e à discriminação racial ou étnico-racial, com esforços para garantir igualdade de oportunidades entre os brasileiros.
Todavia, a Lei nº 12.990/2014 ainda encontra resistência por alguns indivíduos, caso que precisou ter sua constitucionalidade declarada/reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal (ADC, nº 41), em 2017.
Foi por meio dessa Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, que o Ministro Luís Roberto Barroso fundamentou que essa lei contribui para o real sentido do Princípio da Igualdade.
Pois, de acordo com o Ministro, por meio dessa política afirmativa tem-se o exercício da democracia pelos cidadãos negros. Visto que, embasar-se apenas em uma igualdade formal, registrada nos papéis da Constituição federal não está sendo eficaz.
Era preciso dar meios para retirar essa população das as margens das reais possibilidades de ascensão social em massa, que se dá por meio da educação, como também, de atuação nas decisões dos órgãos públicos.
De acordo com o Ministro, a lei contribui para acabar com o que chama de “neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais”. E visa uma igualdade material, na “redistribuição de poder, riqueza e bem-estar social”, enfim, do direito fundamental à dignidade humana. Expõe:
[…] a ordem constitucional não apenas rejeita todas as formas de preconceito e discriminação, mas também impõe ao Estado o dever de atuar positivamente no combate a esse tipo de desvio e na redução das desigualdades de fato.”
Assim, os direitos reconhecidos na Lei de cotas também foram chancelados pelo STF no Acórdão da ADC 41/DF, cujo trecho merece destaque:
Direito Constitucional. Ação Direta de Constitucionalidade. Reserva de vagas para negros em concursos públicos. Constitucionalidade da Lei n. 12.990/2014. Procedência do pedido. 1. É constitucional a Lei n. 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta, por três fundamentos.
Mas quais seriam esses três fundamentos trazidos na decisão? O primeiro seria a possibilidade de desequiparação, por tratar-se de uma política pública de ação social e emergencial.
O segundo fundamento dá-se na inexistência de violação aos princípios do concurso público e da eficiência, visto as regulamentações trazidas para exercício da política. E, por fim, o princípio da proporcionalidade, pelo fato de que cotas em Universidades Federais não abarcariam déficit da população preta em atuação nos cargos públicos.
Muito embora, ainda possam ser encontrados posicionamentos contrários como: “[…] Nesse sentido, voltando ao artigo 2º, inciso II, do Decreto nº 7.824/12, teríamos que qualquer pessoa negra que tenha cursado o ensino médio nos Colégios Militares, ainda que abastada financeiramente (uma vez que a Lei não fala de renda máxima ou mínima para o benefício, enumerando como requisitos somente a cor e o ensino médio em instituições públicas) concorrerá para as cotas de ingresso nas faculdades públicas, havendo clara e evidente quebra de isonomia.“
Todavia, não basta recordar a impossibilidade de quebra de isonomia em consequência da lei de cotas. Pois, a legislação não considera apenas a cor dos candidatos, mas também suas pontuações. A depender da nota, logo passarão a ampla concorrência.
Frente a isso, candidatos negros que tenham estudado em escolas de qualidades, logo atinjirá a nota de corte da ampla concorrencia e concorrerá a esse, sem qualquer distinção com os demais. O que se amplia nas cotas é a oportunidade à população preta que, por dívida histórica necessitam da educação pública brasileira, sendo essa uma rede ainda deficitária que pode dificultar a entrada desse grupo.
Ademais, as cotas não se confere o argumento de desatino, pois, mesmo que os candidatos não advenham do exemplo de escolas militares, por exemplo, e possuindo um bom desempenho esse também passará a concorrer em ampla concorrência.
Apesar de todos os percursos e lutas históricas, como nas estatísticas acerca das maiores adversidades sociais enfrentadas por sujeito pretos, pardos e indígenas ingressarem em concursos públicos,
3. Quais os mecanismos resguardados pela Lei de cotas para proteger os candidatos de fraudes?
Para proteger-se contra irregularidades e, assim, cumprir seus objetivos de forma eficaz, a Lei de cotas prevê fraudes que podem ser cometidas tanto por supostos candidatos quanto pelos próprios certames.
No caso dos candidatos com intencionalidades fraudulentas, a ADC 41/DF também prevê a constitucionalidade da instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. Logo, além da autodeclaração, são empregados critérios de heteroidentificação.
O que seria essa heteroidentificação? Seria a possibilidade, por exemplo, da declaração do candidato sobre sua cor ocorrer de modo presencial e em meio a toda uma comissão do concurso. A comissão utilizará critérios como os do IBGE para tecer suas considerações. Mas, para isso, a comissão deve resguardar a dignidade da pessoa humana e garantir o contraditório e a ampla defesa do candidato.
Além dos candidatos, os certames, ou seja, os órgãos que realizam os concursos públicos também devem observar algumas regras para aplicar as cotas de forma correta. Primeiramente, os concursos devem aplicar os percentuais de reserva de vagas que devem valer para todas as fases dos concursos.
Em segundo lugar, não basta que as cotas estejam em todas as fases, mas que seja aplicada a reserva em todas as vagas oferecidas no concurso público. Visto que, é muito comum os certames oferecerem apenas no edital de abertura. Prática não permitida.
Em terceiro, os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa. Ou seja, a reserva de costas só pode ser aplicada em concursos com mais de duas vagas.
Por fim, a ordem classificatória obtida pelo cotista deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da reserva de vagas. Não sendo possível quaisquer destituições posteriores, rebaixamento de cargo; cujo oferecimento da cota visasse apenas burlar o procedimento para realização do certame.
Com base na ADC 41/DF, tem-se que muitos concursos se utilizam de artifícios para apenas cumprir de forma superficial os ditames da lei. Sendo comum a prática de limitar o acesso dos candidatos cotistas às vagas. Vide:
De acordo com as Notas Técnicas do IPEA, até mesmo órgãos do Estado já foram enquadrados em atos de burlar a distribuição das vagas das cotas. Devido ao fato da maioria dos concursos públicos possuírem muitas fases, com grande quantidade de pessoas logo nas primeiras fases, as ilegalidades no oferecimento das vagas nas demais são muitas.
Mas, para garantir participação equivalente de negros em todas as fases do certame, é preciso manter a reserva de vagas em todas as etapas. E que se tenha uma aplicação e uma fiscalização de todos os critérios acima expostos.
Você pode conhecer mais sobre concursos militares com nosso texto:
4. Como a lei de cotas raciais era aplicada nos concursos da ESA até 2020?
A Escola de Sargentos das Armas (ESA), assim como muitos concursos para as carreiras militares, possuem um longo percurso até a posse.
Em especial, para chegar aos Cursos de Formação e Graduação de Sargentos (CFGS) da ESA, é necessário passar pelas seguintes etapas e fases (Art. 34 do edital):
1ª ETAPA:
Exame Intelectual (EI): de caráter eliminatório e classificatório, compreendendo uma prova escrita e uma prova de redação.
2ª ETAPA:
a) Inspeção de Saúde (IS): de caráter eliminatório, a ser realizada apenas pelo candidato aprovado no EI (classificado e majorado, quando convocado);
b) Exame de Aptidão Física (EAF): de caráter eliminatório, a ser realizado apenas pelo candidato aprovado no EI e apto na IS (classificado e majorado, quando convocado);
c) Exame de Habilitação Musical (EHM), de caráter eliminatório, para o candidato, da área Músico, aprovado no EI e classificado dentro das vagas destinadas aos naipes, bem como ao incluído na majoração que for convocado pela ESA para continuar no CA; e
d) comprovação dos requisitos para a matrícula, de caráter eliminatório, a ser realizada apenas pelo candidato aprovado nas fases anteriores, composta de: comprovação dos requisitos biográficos e heteroidentificação, para o candidato que se autodeclarar preto ou pardo no ato da inscrição e optou concorrer pelo sistema de reservas de vagas.
Normalmente, pode ser observado nos editais da ESA, as previsões referentes às vagas das cotas raciais. Visto que, sendo um concurso federal também é regido pela Lei nº 12.990/2014.
Como pode ser observado acima, dentre uma das fases do concurso, tem-se a comprovação da autodeclaração para que permaneça concorrendo às vagas reservadas às cotas. Como também, até então eram cumpridos todos os requisitos expostos anteriormente:
- 20% das cotas em todas as fases do concurso;
- 20% das cotas de acordo com o número geral de vagas.
Todavia, atente-se ao que ocorreu a partir de 2021.
No dia 22 de dezembro de 2021, foi publicada a lista dos candidatos classificados no exame intelectual. Foram corrigidas 3.150 (três mil centos e cinquenta) redações, sendo selecionados 628 (seiscentos e vinte e oito) de candidatos cotistas.
Desse número geral, foram classificados 720 (setecentos e vinte) candidatos na ampla concorrência. Dentre esses, constam 104 (cento e quatro) candidatos que eram anteriormente cotistas.
Por que isso ocorre?
Isso ocorre porque a Lei de Cotas determina esse remanejamento, de acordo com a nota dos candidatos. Se o cotista atingir a nota cabível a concorrer a ampla concorrência, passará a concorrer nessa. Como vimos anteriormente!
Por se embasar na lei, o edital que rege o concurso também prevê no art. 134, §§ 5º e 6º do edital, que:
- os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência e
- os candidatos negros dentro do número de vagas oferecidas para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.
Logo, em atenção ao art. 3º, § 1º, da Lei 12.990/2014 c/c art. 134, §§ 5º e 6º do edital, os 104 (cento e quatro) primeiros cotistas foram remanejados para a lista de ampla concorrência.
Com isso, foram liberadas as vagas que estavam ocupadas por esses para os candidatos cotistas subsequentes Assim, da 105ª até a 284ª posição passariam a figurar na reserva de vagas e seriam convocados para a 2ª etapa do certame.
Mas a história não foi bem assim. Continue lendo e conheça quais foram as irregularidades.
5. Por que a convocação do concurso ESA 2021 está errada?
Ainda sobre o edital para o curso de formação ESA de 2021, observa-se reclamações por candidatos acerca de remanejamentos nas convocações que estão prejudicando candidatos cotistas.
Os erros nos remanejamentos das listas nas etapas do concurso podem chegar a prejudicar cerca de 100 cotistas. Candidatos que poderiam estar sendo chamados para a segunda etapa, mas não estão.
Mas porque a forma de remanejamento que está sendo realizado está equivocada?
Como exposto, a ESA em seus concursos segue a Lei 12.990 de 2014. Com isso, pessoas que se autodeclaram negras, possuem 20% reservadas na cota racial.
No concurso de 2021, foram 900 vagas para concorrência geral, dividida em 720 para ampla e 180 para cotista. Na primeira convocação, foram chamados todos esses candidatos, devidamente.
Todavia, 104 dos 180 candidatos que eram cotistas alcançaram notas suficientes para concorrer a ampla concorrência e, nessa primeira convocatória (fase do concurso), foram remanejados. Com isso, foram abertas 104 vagas nas cotas para candidatos remanescentes (até o cotista 284).
Porém, sabe-se que entre as fases do concurso candidatos também podem ir desistindo ou sendo eliminados, com a consequente abertura de novas vagas no decorrer do concurso.
O problema ocorre devido aos remanejamentos devidos na regra de cotas não estarem sendo observados.
A partir do remanejamento realizado até 22 de dezembro de 2021, a ESA passou a informar aos candidatos que não realizaria mais nenhum remanejamento. Quem estava, até então, na ampla concorrência ficou concorrendo às 720 vagas da ampla e quem está na cota ficou concorrendo apenas às 180 da cota.
Com isso, novos cotistas apenas seriam convocados no caso de desistência ou eliminação apenas de candidatos que também fossem cotistas. O que desrespeita o art. 134, §§ 5º e 6º do edital, sobre o direito de concorrer de forma concomitante às duas listas, como também, de ter os remanejamentos realizados em todas as fases e números de vagas do concurso.
Preste muita atenção com seu direito. Leia o nosso texto e se aprofunde sobre os concursos militares.
6. Qual tem sido o posicionamento dos tribunais nos casos de irregularidades nas cotas de concursos públicos?
Tal problemática já foi enfrentada em outros certames públicos. Pois, como discutido, não é raro certames que tentam burlar a lei de cotas e o acesso de cotistas às suas vagas.
Como exemplo, tem-se o recente concurso público da Polícia Rodoviária Federal. Contra esse foi julgada a Ação Civil Pública nº 0803436-31.2021.4.05.8500, que está sendo julgada na 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe.
O tribunal entendeu que:
No caso concreto, alega o MPF que a UNIÃO FEDERAL e o CEBRASPE não estão cumprindo o que reza o artigo 3º, §1º, da Lei nº 12.990/2014, pois estão computando, no número de correções de provas discursivas para vagas reservadas para candidatos negros aqueles candidatos negros que obtiveram nota suficiente para estarem no número de correções de provas discursivas para vagas de ampla concorrência, na primeira etapa do concurso público para provimento de cargos de Policial Rodoviário Federal – PRF.
(…)
Frente a isso, foi requerida a realização dos remanejamentos necessários. Candidatos com notas suficientes para passar a concorrer na lista da ampla concorrência e, assim, abrir mais vagas para outros cotistas era o legalmente correto. Como aponta: “durante cada fase e etapa do concurso público em andamento”.
O tribunal decidiu que o órgão aplique as cotas em todas as fases, como também, realiza-se a retificação (correção) do edital. Vide:
(…)
Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES OS PLEITOS AUTORAIS para determinar que a UNIÃO FEDERAL e o CEBRASPE:
a) na condução do concurso regido pelo Edital Concurso PRF nº 1, de 18 de janeiro de 2021, respeitem a reserva de vagas destinadas a candidatos negros estabelecida no §1º do art. 3º da Lei 12.990/2014 em todas as fases do concurso e não apenas no momento da apuração do resultado final;
b) realizem a retificação do Edital Concurso PRF nº 1, de 18 de janeiro de 2021, para dele fazer constar expressamente que os candidatos autodeclarados negros aprovados nas provas objetivas que tiverem direito à correção de suas provas discursivas com base nas suas classificações na ampla concorrência não serão contabilizados no quantitativo de correções das provas discursivas de candidatos autodeclarados negros, constando tanto da listagem de candidatos da ampla concorrência com direito à correção de suas provas discursivas, quanto da listagem dos candidatos autodeclarados negros que têm direito à correção de suas provas discursivas;
c) […] devendo realizar, ainda, a correção das provas discursivas de candidatos autodeclarados negros aprovados e classificados dentro das vagas reservadas, tantos quantos bastem para completar o limite previsto no edital (ou seja, em número equivalente ao de candidatos autodeclarados negros classificados ou aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência);
Igualmente, também foi julgada procedente a Ação Ordinária nº 0710181-61.2021.8.07.0018 na 2ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, em relação ao concurso da Polícia Civil do Distrito Federal.
Os candidatos fundamentam que 275 candidatos cotistas que foram classificados na ampla concorrência, não deveriam ser computados também na correção da prova discursiva dos candidatos às vagas para negros.
Pois, isso seria computar os mesmos candidatos duas vezes e negar o preenchimento das vagas pelos demais cotistas.
Aduzem que, desconsiderados os 275 candidatos negros aprovados também na lista da ampla concorrência, a banca examinadora teria corrigido apenas 445 provas subjetivas de candidatos negros, ao contrário das 720 provas discursivas previstas no edital para serem corrigidas.
O tribunal julgou procedente a demanda para determinar que o CEBRASPE proceda à correção da prova discursiva dos demais candidatos cotistas que preenchem as cotas excedentes.
7. Quais providências podem ser tomadas para reaver o direito a vaga na cota racial do concurso público?
As fraudes no cômputo e nos remanejamentos das cotas, veda a própria essência dessas que é ampliar o acesso de candidatos pretos nos concursos públicos. E, jamais, diminuí-las. Seja por contabilizar o mesmo candidato duas vezes, seja por vedar novos remanejamentos, etc.
Mas, como vimos, os tribunais encontram-se favoráveis aos candidatos nos casos de fraudes relacionadas às cotas.
Logo, no caso da ESA, pode-se requerer que a União seja impelida a não contabilizar os 180 (cento e oitenta) candidatos cotistas que passaram a figurar na lista de ampla concorrência também na lista de cotistas. Como, que sejam realizadas as convocações para recompletamento dos demais cotistas para a 2ª etapa do certame.
Conclusão
Com a leitura do texto, agora você conhece sobre as possibilidades e o bom direito que candidatos cotistas possuem em reaver os seus direitos conferidos pela Lei de Cotas. Posto que, são preceitos com bases constitucionais de igualdade material e da dignidade da pessoa humana.
Esse é o entendimento que tem sido externado por variados tribunais, como os exemplos trazidos com o texto de hoje. Então, não deixe essa norma, ou seja, essa interpretação favorável a seu direito passar, para que possa buscar seus direitos.
Irregularidades no cômputo de vagas para cotistas não podem ser ignoradas!
Se você tem mais dúvidas, ou precisa conversar comigo sobre seu caso e história.
Me manda um email (contato@vlucio.adv.br) ou uma mensagem pelo Whatsapp.
Será uma honra conversar com você.
Abraços militares,
Vinicius Lúcio
Advogado Militar, Professor de Direito e Mestre em Direito Constitucional (UFRN)
Ianna Cunha
Estagiária de Direito no VL Advogados
Referências
Jornal da Unesp. Após dez anos da lei que instituiu cotas raciais nas universidades federais, país se prepara para optar entre continuidade ou desmonte da política pública. Disponível em: https://jornal.unesp.br/2022/01/12/apos-dez-anos-da-lei-que-instituiu-cotas-raciais-na-universidades-federais-pais-se-prepara-para-optar-entre-continuidade-ou-desmonte-da-politica-publica/. Acesso em: 22 mar. 2022.
GIRÃO, Roberto Henrique. O princípio da igualdade e as cotas raciais em universidades e concursos públicos federais: uma análise constitucional acerca do tema. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f861a1acaebb1618. Acesso em: 22 mar. 2022.